São 4 da manhã de um dos primeiros de dias de Outubro.
Passam poucas semanas sobre a banhada cénica dos Jogos Olímpicos em Beijing na China.
Passam (muito) poucos dias sobre a noticia que as crianças chinesas, e vamos lá ver quantas mais ao redor do mundo, estavam a ser alimentadas com uma coisa de se dizia ser leite, que tinha aspecto de leite, que nas analises de controlo de qualidade se reafirmava ser leite, mas que não passava de um qualquer pó, adictivado com as substancias necessárias a iludir os controlos.
Os resultados imediatos são uns quantos mortos.
Na verdade, uma gota de água na imensidão do impulso procriativo da nação chinesa.
A médio prazo, as consequências serão com certeza muito mais cruéis e duras.
Ninguém consegue estimar quantas crianças terão bebido, ou ainda estarão a beber daquele veneno disfarçado de leite.
Mas, acredito eu, mais uma vez isso não será relevante. Afinal, uns milhares de mortos numa nação cuja população cresce ao ritmo de 10 milhões/ano são algo irrelevante.
A vida é feita disto, de números frios, de cifrões todos-poderosos, de interesses mesquinhos e egoístas e de um conjunto de outras tão indizíveis quanto macabras e assassinas da esperança que procuramos trazer e manter dentro de nós.
Escrevo isto porque são estas pequenas coisas que destroem a felicidade de uma criança, que a marcam para a vida, que a colocam além da recuperação.
São estas coisas que os mergulham na noite da depressão, do desequilíbrio e da falta das coisas básicas que uma criança devia ter direito: Abrigo, Alimento, Alento, Alegria, Amor, Auto-Estima, A… A….A….Z….
De todas as coisas que penalizam uma criança, há uma que julgo ser chave! A possibilidade de ter a seu lado, de forma interessada, atenta e carinhosa um Pai e uma Mãe.
Sobre isso Carlos Tê escreveu de forma, como sempre, brilhante e Rui Veloso interpretou de uma forma não menos genial a musica "Não Me Mintas" que fez parte da banda sonora no filme "Jaime".
A dado passo diz:
Eu queria unir as pedras desavindas
escoras do meu mundo movediço
aquelas duas pedras perfeitas e lindas
das quais eu nasci forte e inteiriço
Eu queria ter barra nesse cais
para quando o mar ameaça a minha proa
E queria vencer todos os vendavais
que se erguem quando o diabo se assoa
Brilhante, não acham?
Muitas crianças não tem a possibilidade de serem educadas de forma equilibrada e sólida porque não tem as "escoras do seu mundo", os seus pais presentes, para "lhes servir de barra de cais" sempre que as coisas se complicam.
Em 2000, eram 7:30 da manhã de um frio dia de inverno, quando num ápice de falta de discernimento, num movimento de travagem brusco, o meu carro entrou em pião, passou pelas três faixas do auto-estrada e vindo a imobilizar-se na escapatória do lado direito, virado em sentido contrário.
Pode-se dizer que senti o bafo da morte, uma vez que o autoestrada estava lotado, numa típica e verdadeira hora de ponta.
Apenas parti o farolim traseiro do lado esquerdo do automóvel, e garanto-vos que se não tivesse ido á casa de banho de manhã ….
Ainda hoje me pergunto por onde é que o carro passou 3 faixas, em pião sem que nenhum outro carro tivesse se envolvido no acidente.
Quando o carro parou, as minhas pernas tremiam. No entanto o meu primeiro pensamento foi: "O meu filho ia ficando sem pai!"
Num momento de falta de discernimento ou de inépcia lançando o meu filho na noite.
Na Noite de crescer sem o seu pai – Mesmo que a minha esposa refizesse a sua vida, e é minha opinião que o deveria fazer num caso assim.
Na Noite de apenas uma pedra de verdadeira escora e de barra de cais.
Na Noite ….
Passei meses sem mandar arranjar o maldito (ou será bendito?) farolim. Lembrava-me daquela experiencia tenebrosa e única. Mas também da felicidade, do privilégio que é estarmos vivos e junto daqueles que amamos e que nos amam.
E acreditem, não há maior luz que essa para dissipar a Noite.
Pedro
2008.10.04