sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Como um cavalo a galope

Imagine-se na expectativa de conhecer ou até mesmo falar com alguém que admira muito.

Alguém que admira tanto a ponto de ser capaz de percorrer centenas de quilómetros, talvez viajar de avião ou de barco por horas só para o ver ou para estar perto dele.

Consegue imaginar?

Então talvez possa imaginar a ansiedade que senti no dia da primeira ecografia.

Não foi uma ecografia a 3 dimensões, toda xpto, em que se tira fotografias e coisas que tal.

Era a ecografia das 8 semanas.

A imagem parecia ser a da televisão Philips da minha avó Emília num daqueles sábados de manhã dos anos 70, em que eu esperava frente á televisão que "o problema deles" – as interferências no fraco sinal, captada por uma rudimentar e mal mantida antena que o meu avô tinha instalado no telhado, e que se traduziam em chuva no ecrã – deixasse ver o velho careca de voz de pato – o Vasco Granja – e especialmente deixasse ver os bonecos que ele introduzia.

Ainda hoje me pergunto porque é que só apareciam bonecos oriundos de grandes potências do desenho animado como a Checoslováquia, a Roménia ou a República Democrática Alemã, e quase nunca apareciam desenhos animados daqueles senhores americanos, como um tal de Walt Disney. Mas enfim estas são contas de outro rosário…

Foquei a minha atenção no monitor. O médico começou a fazer medições no meio da penumbra de nevoeiro que o monitor mostrava.

Para mim tudo era imperceptível. Os meus olhos tentavam de forma quase alucinada descortinar um pequeno contorno, uma simples e ténue linha contínua e regular que servisse de base e indicasse – É ali!

Nada!

Nesses momentos, em que os meus olhos que atraiçoavam, negando-se a reagir e a cumprir a função para que existem – Captar imagens nítidas, codifica-las em impulsos nervosos, e envia-las ao cérebro para posterior analise e tratamento – Ouvi um barulho!

Era verdadeiramente ensurdecedor, parecia um ataque de cavalaria, repetia-se 2 a 3 vezes por segundo, a uma louca cadência. Era uma corrida de cavalos, mas não uma corrida qualquer, era uma corrida pela vida. Sôfrega, violenta, em contra-relógio, como se tudo dependesse de cada "tum-tum" que ressoava.

O médico parou de andar com a sonda. Apareceram números no ecrã, na ordem da centena e meia.

O que seria aquilo?

O médico olhou para mim. Sorriu!

- Ouve isto? – disse ele – é o coração do seu bebé. Vê este quadradinho a piscar? É o coração dele e este barulho é o barulho do coração a bater.

- E como é que ele está? – Perguntei eu, sentindo o meu coração a querer acompanhar aquele pequenino coração cujo som saía pelas colunas do aparelho.

- Está tudo bem! Este feijãozinho é o seu filho, e ele está perfeitamente bem! – disse ele circundando uma mancha um pouco mais escura no ecrã com uma seta que me lembrou os cursores dos sistemas Windows.


O meu filho era um "feijão" de dois ou três centímetros, mas já tinha um coração. Um coração que corria como um veloz puro-sangue a galope, crina ondulante desafiando o vento …

Saímos da clínica felizes como nunca.

Afinal tínhamos tudo para ser felizes:

  • Tínhamos a ignorância própria de quem partilha uma visão com um guru. De quem não percebe nada e portanto tem de aceitar a explicação que nos é dada, muitas vezes em tom solene do alto da cátedra.
  • Tínhamos ouvido as palavras magicas "está tudo bem!" – tudo o que um pai e uma mãe querem ouvir num momento daqueles.
  • Tínhamos ouvido pela primeira vez o seu coraçãozinho a ressoar

O que podíamos crer mais?

Um comentário:

Margarida Bettencourt disse...

realmente o ter sido pai devia ser um grande sonho...era bom que todos os homens assim fossem, dessa forma fez a sua esposa feliz a dobrar, 1º por ir ter um milagre dentro dela e 2º por ter um milagre a seu lado...obrigado por ser assim, faz alimentar a esperança de que nada no mundo está perdido!