sábado, 27 de setembro de 2008

Não Tenho Tempo


Sabe, meu filho,
Até hoje não tive tempo para brincar com você
Arranjei tempo para tudo,
Menos para ver você crescer.

Nunca joguei
dominó,
dama,
xadrez
ou batalha naval com você.

Percebo que você me rodeia,
Mas sabe, sou muito importante,
e não tenho tempo!...

Sou importante para números, convites-sociais,
Uma série de compromissos inadiáveis...
E largar tudo isso para sentar no chão com você!...

Não, não tenho tempo!

Um dia você veio com o caderno da escola para o meu lado.

Não liguei, continuei lendo o jornal.
Afinal, os problemas internacionais
São mais sérios do que os da minha casa.

Nunca vi seu boletim
nem sei quem é sua professora.
Não sei nem qual foi sua primeira palavra.
Também, você entende...
não tenho tempo!...

De que adianta saber as mínimas coisas de você
Se eu tenho outras grandes coisas a saber?

Puxa como você cresceu!
Você já passou da minha cintura. Está alto!
Eu não havia reparado nisso!
Aliás, não reparo quase em nada,
minha vida é corrida,
E quando tenho tempo, prefiro usá-lo lá fora,
E se uso aqui, perco-me calado diante da TV,
Porque a TV é importante e me informa muito...

Sabe, meu filho...
A última vez que tive tempo para você,
foi numa cama,
Quando o fizemos!

Sei que você se queixa,
Que você sente falta de uma palavra,
De uma pergunta minha,
De um corre-corre,
De um chute na sua bola.
Mas eu não tenho tempo!

Sei que você sente falta do abraço e do riso,
Do andar a pé até a padaria
para comprar guaraná,
Do andar à pé até o jornaleiro
para comprar "Pato Donald".

Mas sabe há quanto tempo
não ando a pé na rua?
Não tenho tempo!...

Mas você entende, sou um homem importante,
Tenho que dar atenção a muita gente,
Dependo dela...
Filho, você não entende de comércio!
Na realidade, sou um homem sem tempo!

Sei que você fica chateado,
Porque as poucas vezes que falamos é monólogo,
só eu falo.
E noventa e nove por cento é bronca:
Quero silêncio, quero sossego!
E você tem a péssima mania
de vir correndo sobre a gente,
Você tem a mania
de querer pular nos braços dos outros...

Filho, o que você entende de
computador,
comunicação
cibernética,
racionalismo?

Você sabe quem é Marcuse, McLuhan?

Como é que vou parar para conversar com você?
Sabe, filho,
Não tenho tempo!

Mas, o pior de tudo,
O pior de tudo é que...
Se você morresse agora,
já,
neste instante,
Eu ficaria com um peso na consciência,
Porque até hoje
Não arrumei tempo para brincar com você,
E, na outra vida, por certo,
Deus não
terá tempo
de me deixar,
pelo menos,
vê-lo!

Neimar de Barros


Um Desejo Infantil

Um dia destes, um recorte de jornal reproduziu uma breve oração de uma criança.

Dizia assim:


 

Senhor,

Faça de mim uma Televisão,

para que meus pais me tratem como eles tratam a Televisão,

Para que olhem para mim,

com o mesmo interesse com que olham para a Televisão,

especialmente quando a minha mãe assiste a novela favorita e meu pai a cada jogo de futebol.

Eu quero falar como aqueles homens da Televisão,

quando eles falam, toda a família fica em silêncio para ouvir bem o que eles têm a dizer.

Eu gostaria de ver a mamã se admirasse comigo

como ela se admira quando vê a última moda na Televisão.

Eu gostaria que meu pai risse comigo

como ele faz quando os artistas contam piadas na Televisão.

Eu gostaria que meus pais me dessem atenção

tanta quanto dão à Televisão.

Quando ela não funciona, imediatamente chamam alguém para cuidar dela.


 

Senhor,

Eu gostava de ser uma Televisão e assim ser a melhor amiga, a pessoa mais importante na vida dos meus pais.


 

Amém

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Como um cavalo a galope

Imagine-se na expectativa de conhecer ou até mesmo falar com alguém que admira muito.

Alguém que admira tanto a ponto de ser capaz de percorrer centenas de quilómetros, talvez viajar de avião ou de barco por horas só para o ver ou para estar perto dele.

Consegue imaginar?

Então talvez possa imaginar a ansiedade que senti no dia da primeira ecografia.

Não foi uma ecografia a 3 dimensões, toda xpto, em que se tira fotografias e coisas que tal.

Era a ecografia das 8 semanas.

A imagem parecia ser a da televisão Philips da minha avó Emília num daqueles sábados de manhã dos anos 70, em que eu esperava frente á televisão que "o problema deles" – as interferências no fraco sinal, captada por uma rudimentar e mal mantida antena que o meu avô tinha instalado no telhado, e que se traduziam em chuva no ecrã – deixasse ver o velho careca de voz de pato – o Vasco Granja – e especialmente deixasse ver os bonecos que ele introduzia.

Ainda hoje me pergunto porque é que só apareciam bonecos oriundos de grandes potências do desenho animado como a Checoslováquia, a Roménia ou a República Democrática Alemã, e quase nunca apareciam desenhos animados daqueles senhores americanos, como um tal de Walt Disney. Mas enfim estas são contas de outro rosário…

Foquei a minha atenção no monitor. O médico começou a fazer medições no meio da penumbra de nevoeiro que o monitor mostrava.

Para mim tudo era imperceptível. Os meus olhos tentavam de forma quase alucinada descortinar um pequeno contorno, uma simples e ténue linha contínua e regular que servisse de base e indicasse – É ali!

Nada!

Nesses momentos, em que os meus olhos que atraiçoavam, negando-se a reagir e a cumprir a função para que existem – Captar imagens nítidas, codifica-las em impulsos nervosos, e envia-las ao cérebro para posterior analise e tratamento – Ouvi um barulho!

Era verdadeiramente ensurdecedor, parecia um ataque de cavalaria, repetia-se 2 a 3 vezes por segundo, a uma louca cadência. Era uma corrida de cavalos, mas não uma corrida qualquer, era uma corrida pela vida. Sôfrega, violenta, em contra-relógio, como se tudo dependesse de cada "tum-tum" que ressoava.

O médico parou de andar com a sonda. Apareceram números no ecrã, na ordem da centena e meia.

O que seria aquilo?

O médico olhou para mim. Sorriu!

- Ouve isto? – disse ele – é o coração do seu bebé. Vê este quadradinho a piscar? É o coração dele e este barulho é o barulho do coração a bater.

- E como é que ele está? – Perguntei eu, sentindo o meu coração a querer acompanhar aquele pequenino coração cujo som saía pelas colunas do aparelho.

- Está tudo bem! Este feijãozinho é o seu filho, e ele está perfeitamente bem! – disse ele circundando uma mancha um pouco mais escura no ecrã com uma seta que me lembrou os cursores dos sistemas Windows.


O meu filho era um "feijão" de dois ou três centímetros, mas já tinha um coração. Um coração que corria como um veloz puro-sangue a galope, crina ondulante desafiando o vento …

Saímos da clínica felizes como nunca.

Afinal tínhamos tudo para ser felizes:

  • Tínhamos a ignorância própria de quem partilha uma visão com um guru. De quem não percebe nada e portanto tem de aceitar a explicação que nos é dada, muitas vezes em tom solene do alto da cátedra.
  • Tínhamos ouvido as palavras magicas "está tudo bem!" – tudo o que um pai e uma mãe querem ouvir num momento daqueles.
  • Tínhamos ouvido pela primeira vez o seu coraçãozinho a ressoar

O que podíamos crer mais?

Vigilância

Vigie seus pensamentos, porque eles se tornarão palavras;

Vigie suas palavras, porque elas se tornarão atos;

Vigie seus atos, porque eles se tornarão seus hábitos;

Vigie seus hábitos, porque eles se tornarão seu caráter.

autor desconhecido, pelo menos por mim :)

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Fui Descoberto …

A minha Mulher (a autora do blog ocantinhodavera.blogspot.com) descobriu o meu blog ….

Estou tramado …

Provavelmente esta será a última vez que vos escrevo, dada a miserável sorte que me espera …

Parece-me ouvir o moto-serra já a trabalhar …

Uma porta abre-se num barulho ensurdecedor …

Deve ser ela …

Como é possível, uma pessoa que está disposta a dar a vida por alguém, ir fazer-me isto …

Pai! – Grita o meu filho num misto de horror, espanto e dor. Deve ser agora …

Que estrondo, que terá acontecido?

Agora é a porta do escritório que se abre – Meu Deus! É agora …

Ela entrou no escritório - Querido, preparei-te uma caipirinha ….

;)




O inicio

Quando é que se sabe que se vai ser pai?

Não temos o privilégio de sentir “algo” a mexer dentro de nós.
Não temos aquele brilho nos olhos e aquele aclarar do rosto, por que todas as grávidas passam poucas semanas após a concepção.

Não sentimos o empertigar descarado e profundamente indiscreto dos seios, a prepararem-se para acalentar, alimentar e relaxar uma nova vida agora a caminho.
Não temos os amigos a por a mão na nossa barriguinha e a dizer – “hum ou muito me engano ou estás grávida”.

Não temos nada disso, temos "apenas" um sorriso doce, uns olhos apaixonados, um tom de voz que nos preenche e que um dia chega junto de nós e anuncia:

"Querido, queria dizer-te uma coisa: vais ser pai..."

No meu caso também não foi assim, foi lindo.
Mais! foi perigoso. Diria radical.

Num certo dia de Outubro de 1999, vinha eu na auto-estrada A1 (Lisboa - Porto), pouco depois da entrada de Sacavém, quando o telefone tocou.

– Tô, querido?
– Olá amor? Então já tens as analises?
– Sim, estou grávida, vais ser papá - disse a voz mais sublime que alguma vez ouvi.
Parece que o meu corpo tinha deixado de obedecer ás ordens do cérebro. Na verdade acho que a minha dúzia de neurónios estava era atarefadíssima á procura de uma prateleira robusta onde pudesse armazenar aquela informação, e muita outra que com certeza viria em seguida sobre o assunto.

Ri
Chorei
Gritei
acho que pulei – se é possível pular dentro de um Opel corsa quando se tem 1,83 e + de 90 kg - mas pronto quero acreditar que pulei :)
(deve haver ai algures um blog onde esteja documentado um contacto alienígena nessa altura e nesse local eh eh eh)

Quando cheguei a casa - 10 eternos minutos de espera, celebramos !

Íamos ser pais, vocês acreditam ?
Dois miúdos de 26 e 24 anos a serem pais ?
Responsáveis pela vida, pela educação, pelo bem estar de uma novo ser.

Nem queria acreditar …

Passaram 9 anos e só vos posso dizer que este foi verdadeiramente o início....